1984 Filme 1984 Livro

1984 e as semelhanças com o nosso dia a dia: uma análise do contexto histórico-político-social

novembro 21, 2020PP Blog

Primeiro vamos entender a obra.

1984: futuro para uns e passado para outros. O fato é que esse romance distópico escrito por George Orwell foi publicado em 1949 e propõe uma narrativa na qual o ano de 1984 se enquadra em um futuro, num país dominado por um governo totalitário. Com o mundo dividido em apenas 3 continentes e vivendo constantes conflitos territoriais, a história se desenvolve na Oceania, onde a sociedade se divide entre membros do partido e a prole, que vivem sobre um regime extremamente controlador e adverso de liberdade comandado pelo Grande Irmão. Nesse contexto surge o protagonista Winston Smith que ao recusar-se a viver nesse ambiente conservador, planeja uma rebelião ao se relacionar com pessoas que compartilham de seus ideais.

1984, ao contrário do que o nome pressupõe, foi escrito no final da década de 1940, na qual se destacavam o temor e o espanto da sociedade civil pós Segunda Guerra Mundial. Partindo desse cenário, Orwell retrata uma narrativa baseada tanto em um futuro distópico - mais certeiro 30 anos depois de sua publicação -, quanto no cenário alarmante em que a obra foi concebida. No entanto, analisando as entrelinhas do romance, percebe-se, de forma branda, que o autor fixa uma forte crítica ao regime da URSS comandado no momento por Stalin, trazendo para sua obra questões como: liberdade, opressão, pensamento e ódio. De fato, esses eram os principais tópicos debatidos na época, mas, mesmo assim, esses temas indagados por George Orwell ainda são de extrema relevância para a atualidade. 

“Quem controla o passado controla o presente”, tal lema contado durante toda a história parte da perspectiva de um mundo irreal e totalmente ficcional, que se tornaria possível dentro de um modelo específico, em que é perceptível a submissão do indivíduo perante ao gigantesco líder. Nesse contexto, muito pelo contrário, Orwell não apenas queria comentar sobre o regime russo, mas também demonstrar as mazelas e o autoritarismo crescente no passado século XX, relacionando, assim, as diversas ideologias e crenças.  Portanto, o livro, além de ser uma distopia, também traz a  presença de eventos reais da época, ou seja, acontecimentos e características que revelavam ao telespectador o quão próximo o distópico mundo de 1984 estava. E realmente estava, pois cerca de sete décadas depois, ainda é pertinente observar alguns fatos da obra no nosso cotidiano. 

A distopia reflete como nosso presente pode levar ao futuro fictício, já que aparentemente compartilhamos do mesmo passado, as guerras mundiais. Quando estudamos História é preciso lembrar que ela é moldada, o fascismo não surge do nada, mas é resultado de uma construção social coletiva que envolve inúmeros fatores.

A política é intimamente interligada ao poder. De acordo com o sociólogo Max Weber, o estado é uma comunidade humana que contém o monopólio do uso legítimo da força física dentro de determinado território. Sabendo disso, em muitos momentos da história mundial a política se vinculou intimamente com a violência em menor ou maior escala, assim como no caso do fascismo que se iniciou com Benito Mussolini na Itália em 1919, logo após a Primeira Guerra.

Mesmo durante o período pós guerra apresentando desgastes em vários setores, o resultado de Mussolini foi um grande crescimento econômico, que influenciou outros países, como a Alemanha, resultando no Nazismo de Adolf Hitler, e o Brasil, com o Estado Novo de Getúlio Vargas.

Recolhendo essas informações sociológicas e históricas, podemos refletir sobre o que o autor levou em consideração para criar a política do “Grande irmão”, como ela funciona e se vincula com a realidade. O livro estrutura o estado de forma piramidal, em divisões de classes, sendo o Grande irmão no topo, em seguida o núcleo do partido, logo abaixo o partido exterior e na base os proletas, com uma possível referência ao proletariado. 



O Grande irmão é o topo da pirâmide, sendo ele um ditador que têm posse de um aparente poder bélico e conhecimento sobre o que as demais classes fazem, dizem e sentem. E isso tudo provavelmente se deu não só às suas armas, mas também ao domínio do diálogo e da publicidade, afinal, quem domina a comunicação, domina o outro. Além dessas influências, o autor menciona no livro como as potências podem modificar a história para seu próprio bem, dando exemplo do Partido Exterior, que negava ou omitia determinado fato para o bem do sistema. Portanto, a história é moldável de acordo com a sua cosmovisão, que no caso do livro, é influenciada pela já mencionada publicidade do governo do “grande irmão”, que além disso, usava a violência para ter maior controle, como o “crime do pensamento”, além de justificá-la colocando-a na lei. Isso tornou a sociedade amansada pelo medo, assim como dizia Heródoto: “Entre as penas humanas, a mais dolorosa é a de prever muitas coisas e não poder fazer nada”, então é melhor fingir que está tudo bem, para não machucar mais ainda nossa alma e assim a sociedade fictícia foi iniciada. É engraçado como esse pensamento, na filosofia de Marx, deveria trazer a revolta dos oprimidos, mas não consegue.

O controle social é confirmado ainda mais quando aprofundamos na função de cada classe. O Grande Irmão então representa o líder da sociedade e o Núcleo do partido coordenava as atividades do partido, no caso, o controle social. 

O Partido exterior realizava atividades do partido e cumpriam as funções dos ministérios, que ironicamente se nomeavam o Ministério da paz, que tratava de guerras, o Ministério da Verdade, que modificava os fatos para reafirmar o poder do governo do Grande Irmão (onde o protagonista trabalhava), Ministério do amor, que lidava com os crimes e as torturas e o Ministério da pujança, que lidava com a escassez de recursos. 

Além dos Proletas, que eram trabalhadores majoritariamente braçais, analfabetos e que por não analisarem criticamente a sociedade, o partido não se preocupava, apenas os compravam com mantimentos básicos.

Após esse panorama do contexto histórico e político do livro, nada mais justo que entender um pouco do ambiente social que Orwell planejou em sua aclamada obra.

Você já teve a sensação de saber algo e acreditar totalmente nessa informação, porém se alguém disser que essa informação não é verdadeira, você passa então a acreditar no que foi dito por esse alguém?

Bom, isso até parece comum, mas quando se trata de 1984, esse acontecimento é chamado de duplipensamento. Como a liberdade é restrita para aquela população, pensar é um tipo de crime. Uma forma encontrada para controlá-lo foi a criação da novafala ou novilíngua, na qual as palavras são encurtadas e os sinônimos são excluídos, para evitar que as pessoas pensem demasiadamente. Um exemplo é a palavra bom, em Novafala não há sinônimos para bom da forma como estamos acostumados. Logo, para se dizer que uma coisa é muito boa utiliza-se duplimaisbom e se ela for ruim, é referida como desbom. Retomando o conceito de duplipensamento, muitas pessoas - incluindo o protagonista Winston – tinham de viver acreditando no que o próprio Partido e o Grande Irmão falavam, ainda que tivessem certeza de algum fato, se fosse imposto para que eles que pensassem de determinada forma, era assim que eles deveriam pensar. Tal acontecimento pode ser exemplificado com o fato de que 2+2=4, é um princípio lógico, mas se a qualquer momento o Grande Irmão dissesse que essa soma resultava em 5, toda a população era obrigada a acreditar nessa lógica.


(Fonte: Instagram @indrigreal).


Agora que foi esclarecido o conceito de novafala e duplipensamento, vamos entender como eles foram aplicados no cotidiano de Winston e de seus camaradas, como isso os afetaram e, ainda, como é possível encontrar semelhanças desses comportamentos com a nossa realidade.

Dentro do Ministério da Verdade, Winston trabalhava no Departamento de Documentação e seu dever era modificar os fatos de acordo com o momento e com o que o Grande Irmão solicitava, para que pudesse ser veiculado à população. Vejamos um exemplo: dentro do contexto político, a Oceania sempre esteve em guerra com a Eurásia e Winston se lembrava disso claramente. Entretanto, para o Partido, a Oceania jamais fora rival da Eurásia. Dessa forma, cabia a Winston reescrever que ambos continentes eram aliados - pois era o seu trabalho – mesmo que ele soubesse com toda certeza de que aquilo não era verdade. Para os demais, essa afirmação era verdadeira, já que estava sendo disseminada em diversos meios de comunicação, principalmente os jornais. A partir disso, pode-se comprovar o controle que o Grande Irmão possui sobre todos, tanto que o lema do partido é Quem controla o passado, controla o futuro. Quem controla o presente controla o passado. No pensamento de Winston não há nada mais aterrorizante do que este tipo de controle.

Se compararmos com os dias atuais, tais ações podem ser representadas pelo negacionismo histórico, uma vez que diante de fatos e comprovações científicas algumas pessoas insistem em acreditar no senso comum que lhes é dito por um líder superior. A gravidade desses acontecimentos toma uma grande proporção, pois se pensarmos em uma liderança política que dissemina desinformação, sua atitude demonstra a falta de responsabilidade para com a sociedade.

Diante de uma abordagem envolvendo reflexões a respeito de liberdade, vamos agora entrar no conceito de privacidade, já que essa palavra é desconhecida em 1984 (risos).

Na obra, é apresentado um aparelho, chamado teletela, que aparenta ser uma televisão - de fato, possui as mesmas características de uma – porém, ela também utiliza recursos de filmagem e gravação. Espera um pouco...Seria a teletela um smartphone nos dias de hoje?


(Imagem do filme “1984” dirigido por Michael Radford/Imagem-Reprodução). 


Bem, se considerarmos o fato de que a teletela grava as pessoas noite e dia em suas casas, até mesmo na hora do sono, em busca de pistas que levam até um traidor do Partido, arrisco-me a dizer que sim. A presença da teletela não só serve para vigiar as pessoas, como também para passar notícias e propagandas do Grande Irmão 24 horas por dia.  Em paralelo com a atualidade, quando alguém instala algum aplicativo e aceita que o microfone, a câmera e a localização sejam acessados, isso permite que cada vez mais anúncios personalizados cheguem até essa pessoa. Isso facilita o acesso ao indivíduo, que está por trás dos áudios e filmagens, como uma maneira de selecionar as preferências de quem está realmente em frente às câmeras. 

Outra realidade presente em nosso cotidiano e refletida pelo livro é o ódio. Se você acredita que esse tema é meramente especulativo basta imaginar como seria a sua vida se você fosse obrigado a destinar exatos dois minutos de ódio para uma pessoa todos os dias. Bem, minha (meu) cara (caro) leitora (leitor), essa realidade é a nossa, no entanto, ao contrário da distopia, o ódio atualmente é destinado para qualquer um, a qualquer momento e sem nenhuma coerção exterior para a realização do ato. 


"Depois de trinta segundos, já não era preciso fingir. Um êxtase horrendo de medo e sentimento de vingança, um desejo de matar, de torturar, de afundar rostos com uma marreta, parecia circular pela plateia inteira como uma corrente elétrica, transformando as pessoas, mesmo contra sua vontade, em malucos a berrar, rostos deformados pela fúria" (Trecho do Livro "1984").


A princípio, os dois minutos de ódio era uma alternativa simples e eficaz criada pelo governo autoritário para que sua população pudesse exteriorizar as suas frustrações e incômodos, garantindo que o indivíduo continuasse de acordo com o Estado. Comparando com o contexto contemporâneo brasileiro, é evidente que as redes sociais, no século XXI, tornaram-se enormes palcos do momento de ódio, transformando a internet numa vigilância constante, na qual é esperado o momento de deslize para que o linchamento comece. Desse jeito, o personagem Goldstein, a quem era dedicado os dois minutos de ódio, se tornou qualquer um de nós.

No Brasil, os personagens envolvidos nos dois minutos de ódio se metamorfoseiam em pessoas comuns que utilizam as redes sociais com os seus posicionamentos. O desejo de barbárie e fúria é cada vez mais presente na sociedade, em que a todo momento se busca um inimigo comum para alimentar e saciar essa vontade. A distopia é aqui? 1984 é agora?


Autoria: Bruno Alves Oliveira Fernandes, Cindi Santos Nascimento e Ingrid de Andrade Rolim (Alunos do 2º ano de Comunicação Visual Integrado ao Ensino Médio)
Orientação e revisão: Professoras Mariana Teixeira e Lícia Frezza Pisa.


Referências: 


FERNANDES, Cláudio. "O que foi o Estado Novo?"; Brasil Escola. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/o-que-e/historia/o-que-foi-estado-novo.htm. Acesso em 07 de novembro de 2020.


FRAZÃO, Dilva. Heródoto: Historiador grego. Ebiografia, 28 nov. 2019. Disponível em: https://www.ebiografia.com/herodoto/. Acesso em: 7 nov. 2020.


BEZERRA, Juliana. Fascismo. TodaMateria, 1 ago. 2020. Disponível em: https://www.todamateria.com.br/fascismo/. Acesso em: 7 nov. 2020.


SOODA. Resenha e Discussão: 1984: Distopias: Entre o clássico e os dias atuais - George Orwell. Sooda, 29 jan. 2016. Disponível em: https://www.soodablog.com.br/2016/01/resenha-e-discussao-1984.html. Acesso em: 7 nov. 2020.


GERTH , H.H.; MILLS, C. Wright. From Max Weber: Essays in Sociology. In: MAX Weber:: Ensaios de Sociologia. Tradução: Waltensir Dutra. quinta. ed. Rio de Janeiro, RJ — CEP 20040-040: LTC — Livros Técnicos e Científicos Editora S.A., 1963. cap. IV. A politica como vocação, p. 95-153. Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/3952424/mod_resource/content/1/Max%20Weber%20-%20Ensaios%20de%20Sociologia%20-%20Gerth%20%20Mills.pdf. Acesso em: 9 nov. 2020.




Semelhantes

Comentários

Popular Posts

Formulário de contato

Antes de sair gostaria de assinar nosso feed?

gratuito

atualizado

sem spam