A Publicidade Infantil Não É Uma Amiga
Uma das maiores polêmicas do campus da Comunicação Social, sem sombras de dúvidas, é a publicidade infantil, mas não é de hoje que este dilema vem sendo debatido no mercado contemporâneo. É perceptível os dois lados da moeda: de um lado entidades civis que defendem os direitos das crianças e acreditam que pela circunstância emocional e por estarem em desenvolvimento, de autonomia e amadurecimento, estão em vulnerabilidade; em contrapartida, temos as associações de mercado que defendem o livre arbítrio na produção publicitária, pois acreditam que as leis regulamentadoras são abusivas e nocivas.
Com isso surge a questão, quais são os fatores que preocupam as entidades a ponto de limitarem as empresas na divulgação de produtos com o público alvo infantil? E quais os fatores sociais que preocupam muitos especialistas nesse nicho?
Como já pontuado anteriormente, há leis regulamentadoras que impedem que propagandas infantis sejam veiculadas nos meios de comunicação, vendendo produtos ou serviços, tendo como alvo o público infantil. Segundo o artigo 277 da Constituição Federal (Lei nº8.069/1990), onde consta que as publicidades voltadas a esse público aproveitam da fase de desenvolvimento e da deficiência de julgamento dessa faixa etária. O Marco Legal da Primeira Infância (Lei nº 13.257/2016) defende todas as crianças contra as violências emocionais mercadológicas. A Resolução nº 163 de 2014 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) reforça o instituto CDC (Código de Defesa do Consumidor) na defesa dos direitos infantis dentro do mercado publicitário.
Além disso, a forma que as propagandas eram veiculadas e produzidas preocupava e preocupa, ainda, muitos especialistas. Silvia Feola, doutoranda desde 2012 pelo Departamento de Filosofia da Universidade de São Paulo, em que possui Graduação em Filosofia pela Universidade Estadual de Campinas (2009), e Mestrado em Filosofia pela Universidade de São Paulo (2012), escreveu uma matéria para o jornal Estadão sobre as grandes problemáticas do mercado publicitário infantil, em que relata o quanto esses métodos reforçam estereótipos, colocando mulheres e homens em caixas e que isso consequentemente, reflete na nossa sociedade e faz com que o preconceito de gênero se mantenha violentamente no nosso dia a dia.
Ao vermos as peças publicitárias do universo infantil masculino, os garotos são apresentados como aventureiros, guerreiros, lutadores ou até mesmo violentos e machistas. Ao olharmos o universo feminino, as meninas são delicadas, frágeis, maternas, cozinheiras, domésticas e sempre com papéis submissos aos homens e é essa a grande problemática que preocupa muitos estudiosos, pois se você for criado na floresta com gorilas, você irá andar como um, socializar como um, se relacionar como um. Portanto, se você cresce em uma sociedade preconceituosa que impõe desde a sua infância que o seu lugar é na cozinha, que você tem que ser mãe, cuidar da casa, ter filhos e grande parte das suas obrigações estão em volta do seu marido, você pode ser persuadido a viver uma vida que foi imposta a você e não pelo seu poder de escolha, por mais que você tenha o livre arbítrio, segundo o estado.
Somando-se a isso, não é apenas o sexo cisgênero feminino que sai prejudicado com esses reforços estereotipados de gênero que a publicidade reproduz, mas, também o sexo masculino e pessoas transexuais (indivíduo que se identifica com qualquer outro gênero que não seja o cisgênero).
Todos da sociedade já se depararam com a reprodução argumentativa no qual dizem para meninos que são mais delicados, ao olhar da nossa cultura, que devem gostar de futebol e brincarem com bonecos masculinos, mesmo a criança tendo uma tendência maior em gostar de distrair-se com bonecas ou brinquedos voltados à culinária, ou quando uma criança que contém traços psicológicos e emocionais de transgênero e os nosso valores retraem elas logo na infância, colocando-as em “caixas” de acordo com seu órgão sexual de nascimento.
O jornal Hoje Em Dia, no dia 09 de abril de 2019, postou uma matéria aos seus leitores, do triste caso em Uberaba, onde o pai que chegou em casa embriagado, após ver o filho de três anos brincando com batom, espancou o garotinho enquanto reproduzia o discurso violento “Na minha família não tem viado”. Infelizmente, esses acontecimentos são muito comuns em diversas famílias, em que os familiares de forma violenta punem os filhos quando veem a criança brincando com algum objeto que não seja pertencente ao gênero imposto pelo patriarcado.
Além dos fatos mencionados, segundo a pesquisa postada no jornal Estadão pela jornalista brasileira Sonia Racy e efetivada pela agência publicitária Heads Propaganda, 80% dos filmes publicitários são protagonizados por pessoas brancas, 26% reforçam estereótipos de gênero e 74% não contribuem com a equidade de mulheres e homens na sociedade atual. Os fatos apresentados na pesquisa são pontos bastante preocupantes, pois sabemos que publicidade é onipresente e está em todos os momentos da nossa vida e também em todos os lugares da nossa sociedade. Desse modo, é importante que os veículos de comunicação sejam responsáveis e desempenhem um papel importante para a transformação positiva na nossa cultura.
Em virtude de tudo que foi dito, pode-se notar que a publicidade infantil tem diversas violações à integridade física e emocional da criança, visto que ela aproveita da vulnerabilidade e do desenvolvimento do indivíduo para persuadi-lo, e como observado na dissertação, os estereótipos se tornam também um grande impasse na vida da pessoa a longo prazo nas suas escolhas, mesmo constitucionalmente ela possuindo o livre arbítrio. Mesmo ainda tendo o direito à liberdade de expressão, ainda somos influenciados a comprar certas ideias e valores, dentro dos costumes tradicionais enraizados na cultura. Além do mais, os enunciadores de propaganda infanto-juvenil em sua grande maioria reforçam estereótipos sociais que atrapalham no desenvolvimento civil para a construção de uma sociedade mais equitativa, a partir do momento que enquadram meninas em uma “caixa”, meninos em outra e excluem outras formas expressivas de gênero.
Como disse a atriz e ativista Emma Watson, “É hora de todos vermos o gênero como um espectro em vez de dois ideais opostos. Devemos parar de nos definirmos uns aos outros pelo que não somos e começar a nos definir por quem somos.”
João V. Portela da Silva, aluno do 4º período de Produção Publicitária
Referências:
Camilo, José Vitor. 'Na minha família não tem viado', diz pai que agrediu o filho de 3 anos por brincar com batom. Hoje Em Dia, 09 de abr. de 2019. Disponível em https://www.hojeemdia.com.br/horizontes/na-minha-família-não-tem-viado-diz-pai-que-agrediu-o-filho-de-3-anos-por-brincar-com-batom-1.706301
Feola, Silvia. 'Publicidade infantil reforça desigualdade de gênero’. Estadão, 10 de out. de 2016. Disponível em
‘PORQUE A PUBLICIDADE INFANTIL É PROIBIDA’. Publicidade Infantil Já é Ilegal. Disponível em
https://publicidadeinfantilnao.org.br/secao/10-motivos-para-nao-expor-as-criancas-a-publicidade/
As histórias que a publicidade conta para as crianças.Manoela Pagotto Martins Nodari, Priscilla de Oliveira Martins Silva. São Paulo: Pimenta Cultural, 2021. 34p. Disponível em https://www.pimentacultural.com/historias-publicidade